sábado, 31 de janeiro de 2009

Aceitação de si mesmo (3 ªparte)

«Pelo olhar que poisa sobre nós, Deus convida-nos certamente à santidade, estimula-nos à conversão e ao progresso, mas sem nunca provocar a angústia de não a atingir, aquela «pressão» que às vezes experimentamos sob o olhar dos outros ou sob o julgamento que fazemos acerca de nós próprios: nunca nos portamos suficientemente «bem», nunca suficientemente isto ou aquilo, estamos permanentemente descontentes connosco mesmos, sentimo-nos sempre culpados por não correspondermos a tal expectativa ou a tal norma.

Não é por sermos pobres pecadores que havemos de nos sentir culpados por existir, como é o caso de muitas pessoas, muitas vezes inconscientemente.
O olhar que Deus poisa sobre nós autoriza-nos plenamente a sermos nós mesmos, com as nossas limitações e insuficiências, dá-nos o «direito ao erro» e livra-nos, diria eu, daquela espécie de coacção, daquela obrigação de que às vezes nos sentimos prisioneiros (obrigação que não provém da vontade de Deus, mas da nossa psicologia ferida) de sermos, afinal, diferentes daquilo que somos.

Sob o olhar de Deus, somos libertados da coacção de sermos «os melhores», de sermos perpétuos «vencedores»; podemos viver numa profunda descontracção, pois não temos que fazer esforços contínuos para nos mostrar bem dispostos nem que despender uma energia prodigiosa para parecermos aquilo que não somos: podemos ser, simplesmente, aquilo que somos, nem mais nem menos.
Não há melhor «relaxamento» do que repousar, como criancinhas, na ternura do Pai que nos ama como somos.»

(Jacques Philippe, em "A Liberdade Interior")

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Aceitação de si mesmo (2ª parte)

«O esforço de aceitação de si mesmo custa bastante mais do que parece. O orgulho, o medo de não ser amado, a convicção de que pouco valor temos, têm, em nós, raízes muito profundas. Basta constatar como aceitamos mal as quedas, os erros, os fracassos, até que ponto nos desmoralizam, culpabilizam ou preocupam.

Na verdade, julgo que não conseguimos chegar a aceitar-nos plenamente senão sob o olhar de Deus.

Para nos amarmos a nós mesmos, precisamos de uma mediação, do olhar de alguém que nos diga como o Senhor o fez pela boca de Isaías: «Eu tenho por ti um amor eterno». (Is 54, 8).

É um caso muito vulgar: uma jovem que se acha feia (como acontece, curiosamente, a muitas jovens, apesar de serem bonitas!), começa a pensar que talvez não seja tão horrível como isso no dia em que um jovem se enamora dela e poisa no seu rosto o terno olhar dos apaixonados!

Temos uma necessidade vital da mediação do olhar do outro para nos amarmos e nos aceitarmos a nós mesmos. Do olhar de um familiar, de um amigo, de um pai espiritual, mas acima de tudo, do olhar de Deus nosso Pai. Porque é o olhar mais puro, mais verdadeiro, mais terno, mais amante, mais cheio de esperança que existe no mundo.

E julgo que o maior presente que pode receber aquele que procura o rosto de Deus perseverando na oração, é dar conta, um belo dia, desse olhar divino poisado sobre si; sentir-se-à, então, tão ternamente amado, que receberá a graça de se aceitar profundamente a si mesmo.»
(Jacques Philippe, em "A Liberdade Interior")

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Aceitação de si mesmo (1ª parte)

«O que há de mais importante na nossa vida, não é tanto o que podemos fazer, mas sim que demos lugar à acção de Deus.
O grande segredo de toda a fecundidade e de todo o crescimento espiritual, é aprender a deixar Deus agir: «Sem Mim, nada podeis fazer», disse Jesus. Porque o amor divino é infinitamente mais poderoso do que tudo quanto poderíamos fazer pela nossa própria sabedoria ou pelas próprias forças.

Porém, uma das mais necessárias condições para permitir que a graça de Deus actue na nossa existência, é dizer «sim» àquilo que somos e às situações em que nos encontramos.

Com efeito, Deus é «realista». A graça divina não opera no imaginário, no ideal, no sonho. Actua na realidade, no concreto da existência. Mesmo que a trama da minha vida de todos os dias não me pareça muito gloriosa, em mais parte nenhuma poderei deixar-me encontrar pela graça divina.

A pessoa que Deus ama com a ternura de um Pai, com quem se quer unir para a transformar pelo Seu Amor, não é a pessoa que eu gostaria de ser, ou que deveria ser. É a que eu sou, muito simplesmente.
Deus não ama pessoas «ideais», seres «virtuais». Ama os seres reais, concretos.

Frequentemente, aquilo que bloqueia a acção da graça na nossa vida, não são os nossos pecados, nem os nossos erros, mas a falta de aceitação da nossa fraqueza, todas as rejeições mais ou menos conscientes do que somos ou da nossa situação concreta.

Para «libertar» a graça na nossa vida, e para possibilitar mudanças profundas e espectaculares, bastaria dizer simplesmente «sim» (um sim inspirado pela confiança em Deus) a aspectos da nossa existência face aos quais nos mantemos numa posição de recusa interior.
Não admito ter esta pobreza, aquela fragilidade, ter ficado marcado por tal acontecimento passado, ter cometido um determinado pecado, e assim por diante. E sem dar conta, invalido a acção do Espírito Santo.

Este não tem pleno domínio sobre a minha realidade senão na medida em que eu próprio a aceito: o Espírito Santo nunca age sem a colaboração da minha liberdade. Se não me aceitar tal como sou, não permito ao Espírito Santo que me faça ser melhor!"

(Jacques Philippe, em "A Liberdade Interior")

domingo, 25 de janeiro de 2009

«SER» e «FAZER»

«A tendência para entender o «ser» com base no «fazer» tem, certamente, um aspecto positivo na construção da pessoa, pois ela desenvolve-se pelo exercício das suas diversas capacidades...

Não podemos, porém, identificar a pessoa com a soma das suas aptidões; ela é muito mais do que isso. Não podemos avaliar ninguém unicamente pelas suas capacidades; cada pessoa tem um valor e uma dignidade únicos, independentemente de «saber fazer»....

Que lugar haveria para os pobres e para os deficientes, num mundo onde a pessoa não fosse alguém senão em função da sua eficácia, do bem visível que fosse capaz de produzir? (...)


A nossa identidade, o «ser» quem somos, para além das nossas actividades, tem uma fonte muito mais profunda: o amor criador de Deus, que nos fez à Sua imagem, e quer que vivamos para sempre com Ele, amor esse que não pode desdizer-se.»

(Jacques Philippe, em "A Liberdade Interior")

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A CALMA DE UM CORAÇÃO ARDENTE


Nada preserva melhor a frescura da vida do que a calma de um coração ardente.


(Christian Bobin, em "Ressuscitar")

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

GANHAR O MUNDO... PERDER A ALMA...

Que as pessoas desapareçam é, no fundo, menos surpreendente do que vê-las aparecer repentinamente diante de nós, como uma oferta ao nosso coração e à nossa inteligência.
Essas aparições são tanto mais preciosas quanto infinitamente raras. A maior parte das pessoas está, hoje em dia, tão perfeitamente adaptada ao mundo que se torna inexistente. (...)

A maioria das pessoas perde a alma ao tomar contacto com as coisas do mundo, tão facilmente como se perde um livro numa mudança de casa.

(Christian Bobin, em "Ressuscitar")

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A VERDADEIRA CULPA

«...A verdadeira culpa é, principalmente, você não ousar ser você mesmo. É o medo do julgamento dos outros que nos impede de sermos nós mesmos, de nos mostrarmos tal como somos, de manifestarmos nossos gostos, desejos e convicções, de nos desenvolvermos, de nos expandirmos segundo a nossa própria natureza, livremente. É o medo do julgamento dos outros que nos esteriliza, que nos impede de produzir todos os frutos que somos chamados a produzir.
"Fiquei com medo" diz, na pará­bola dos talentos, o servo que escondeu o seu talento na terra, em lugar de fazê-lo valorizar. (Mt 25:25 BLH). »

(Paul Tournier, em "Culpa e Graça")

domingo, 18 de janeiro de 2009

DOIS INSEPARÁVEIS


«No cemitério de Saint-Charles a secção das crianças fica na parte mais alta.
Anjos de mármore branco de uns cinquenta cêntimos fazem com a luz do céu ricochete sobre os túmulos estreitos.
Uma criança de cinco anos, morta em 1942, tinha um companheiro da mesma idade que, no dia do seu enterro e nas semanas seguintes, afirmara aos pais que não abandonaria o amigo e iria em breve brincar com ele debaixo da terra.
As fábricas de Creusot foram bombardeadas um ano mais tarde. A criança morreu num desses bombardeamentos. Repousa ao lado da campa do seu amigo.

Aqui, com um pouco de silêncio, pode ouvir-se a dor e o pranto das famílias.
Com um silêncio um pouco mais profundo conseguimos surpreender os risos dos dois inseparáveis, ocupadíssimos a brincar após a festa do reencontro.»
(Christian Bobin, em "Ressuscitar")

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

CORAÇÕES EM SILÊNCIO


«Comunguei um dia de tal intimidade que cada palavra de um era recolhida pelo outro sem deturpação. Acontecia o mesmo com cada silêncio. Não se tratava daquela fusão que no início os amantes conhecem e que é um estado irreal e destruidor. Havia, na amplitude do laço que se criara, algo de musical e estávamos simultaneamente juntos e separados como as asas diáfanas de uma libélula. Por ter conhecido esta plenitude, sei que o amor nada tem a ver com o sentimentalismo que perpassa nas canções, nem tão pouco com a sexualidade de que o mundo faz a principal mercadoria - a que permite vender todas as outras.

O amor é o milagre de sermos ouvidos, mesmo estando em silêncio, e de ouvirmos em troca com igual acuidade a vida em estado puro, tão leve como o ar que sustém as asas das libélulas e se alegra com os seus bailados
(Christian Bobin, em "Ressuscitar")

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

BASTA A CADA DIA...


Ao peso do dia presente, temos o mau hábito de juntar o do passado, e ainda mais o do futuro.

O remédio para essa atitude é meditar (e pedir a Deus a graça de o pôr em prática) o ensinamento do Evangelho:
«Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir.
Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário?(...)
Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta.
Não valeis vós muito mais do que elas? (...)

(...) não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? Que havemos de beber? Com que nos havemos de vestir?(...) Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.» (Mateus 6, 25-34)

Não se trata de sermos imprevidentes e irresponsáveis, temos obrigação de fazer projectos e de pensar no amanhã. Mas temos de o fazer sem inquietação, sem aquela preocupação que consome o coração e que não resolve nada, impedindo-nos muitas vezes de estar disponíveis para o que temos que fazer no momento presente.
É preciso «evitar transferir para o dia presente o peso e as angústias que o futuro nos inspira» (Etty Hillesum).
O coração não pode estar simultaneamente absorvido pela preocupação com o dia seguinte e acolher a graça do momento presente...

Quando Jesus nos pede que não tenhamos nenhuma preocupação, fá-lo cheio de compaixão e de ternura, principalmente para salvaguardar a qualidade das nossas relações: um coração repleto de inquietações e de preocupações, não está disponível para os outros e não pode fazer de cada momento um verdadeiro momento de comunhão, daqueles que alegram o coração.» (Jacques Philippe, em "A Liberdade Interior")

domingo, 11 de janeiro de 2009

DEUS: do lado da vida em que estou...


Quando, bastante imprudentemente, falo de Deus, falo apenas deste lado da vida em que estou, e mais precisamente de uma parte desta vida, que está abandonada e se assemelha a uma arrecadação de ferramentas ao fundo de um jardim...

Embora não saiba nada dele, é-me impossível fazer como se não tivesse nada a ver com os nossos dias mais banais. Esses dias são livros e esses livros são escritos por Ele.
Rosto, dor e bondade são as páginas mais ricamente iluminadas, tal como roseira, pardal e primavera.

Não sei o que mais impede os homens de ler: se a avidez, se a falta de atenção. A avidez nasce da sua falta de atenção. Quando olhamos apressadamente para uma coisa bela - e todas as coisas vivas são belas porque trazem em si o segredo do seu próximo desaparecimento - apetece-nos guardá-la para nós.
Quando a contemplamos com o vagar que merece, que requer e que, por um instante, a protege do seu fim, então ilumina-se e já não temos vontade de a possuir: a gratidão é o único sentimento que responde a essa luz que entra em nós...

Contemplar sem possuir e mesmo sem compreender.
Os pardais desafiam-nos a isso com os seus cantos.
Há sob a minha janela, nos inúmeros braços da tília, uma multidão de Bach e de Schubert cujas obras não escritas me instruem sobre o que Deus é do lado da vida em que eu estou. Para conhecer o outro lado, terei um dia de afastar a cortina do meu sangue que me impede de ver.»

(Christian Bobin, em "Ressuscitar")

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

CAPACIDADE DE AMAR

«Certa vez, Frei Egídio (um dos companheiros mais queridos de S. Francisco), homem muito simples e piedoso, falou assim ao Ministro General, Frei Boaventura (+ 1274), um dos maiores teólogos da Igreja.

- Meu Pai, Deus deu-lhe muitos dotes. Eu, pessoalmente, não recebi grandes talentos. O que devemos nós, ignorantes e tolos, fazer para sermos salvos?

O douto e santo Frei Boaventura elucidou-o dizendo:

- Se Deus não desse ao homem nenhuma outra capacidade senão a de amar, isto lhe bastaria para se salvar.

- Quer dizer que um ignorante, pode amar a Deus tanto como um sábio?, perguntou Frei Egídio, tentando entender.

- Mesmo uma velhinha muito ignorante, disse-lhe com ternura o grande teólogo, pode amar mais a Deus do que um professor de Teologia.


Dando pulos de alegria, Frei Egídio correu para a sacada do convento e começou a gritar:

- Ó velhinha ignorante e rude, tu que amas a Deus Nosso Senhor, podes amá-l`O mais do que o grande teólogo Frei Boaventura.


E, comovido, ficou ali, imóvel, durante três horas.»

(Pe. Neylor J. Tonin, em "Histórias de Sabedoria")

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A VIDA NA SUA PUREZA


Na altura em que nasci, uma fada debruçou-se sobre o meu berço e disse-me:

«Não experimentarás senão uma parte minúscula desta vida e em troca compreendê-la-ás toda.»


Quinze segundos de pureza aqui, outros dez além: com um pouco de sorte, terá havido na minha vida, quando partir, pureza suficiente para perfazer uma hora.


Christian Bobin, em "Ressuscitar"

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Só o Amor conta...


Já não acredito no amor, porque só nele acredito.

Apostei tudo num amor que não pode fazer parte deste mundo, mesmo iluminando-lhe cada detalhe.

(Christian Bobin, em "Ressuscitar")

sábado, 3 de janeiro de 2009

UM CORAÇÃO PURO


«A Agnès tinha nascido numa família nobre e rica, daquelas que só se encontram nos contos, ou em Inglaterra. Perfumes sem preço, jóias antigas, sedas finas e viagens por um mundo impecavelmente liso - sim, tudo isso rodeou Agnès, do berço até à sepultura, mas a maravilha não estava no dinheiro nem na litania um pouco cansativa das portas que faz abrir à sua frente como num sonho.

A única maravilha era o coração da Agnès: um diamante cuja pureza dava aos seus olhos uma limpidez implacável. Mais do que de maravilha poder-se-ia falar de milagre: uma santa milionária - estas duas palavras, que não combinam, e que, no entanto, convêm perfeitamente a essa jovem, qual sapatinho ao pé da Cinderela.

Ao nascer a Agnès tinha recebido dinheiro e beleza. O dinheiro pode traçar caminho através de um coração como uma lagarta numa maçã. A beleza de uma mulher e o poder que lhe dá sobre os homens fracos pode inebriá-la, convencendo-a de que se gerou a si mesma e de que, como a uma divindade, tudo lhe é devido.

A Agnès tinha a seu favor ambas as coisas quando uma única basta para destruir uma alma.
A sua bondade tinha-a preservado, inspirando-lhe uma conduta ao mesmo tempo cheia de delicadeza e intransigente. "Prefiro, dizia ela, dormir debaixo da ponte a viver com um homem sem amor."

Infinitamente raras são as mulheres que, no seu desejo de amor, não fazem entrar a menor sombra de calculismo. A pureza ardia-lhe nos olhos, como um fogo perpétuo...»
(Christian Bobin, em "Ressuscitar")

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

UM BOM ANO!


A todos os visitantes, leitores, amigos e irmãos, desejo um Ano de 2009, com tudo o que permita que juntos nos tornemos pessoas melhores, mais humanas e fraternas.
«Começar, estamos sempre a começar. Temos um Ano Novo pela frente, mas começar de novo não é começar outra vez, não é repetir alguma coisa, é começar de outro modo, com novidade. E o primeiro gesto devia ser o de agradecer esta imensa oportunidade.

Este ano será aquilo que fizermos dele: se cultivarmos uma atitude de egoísmo e individualismo, será assim; mas se nos comprometermos com a construção da paz e da justiça no mundo, então teremos um bom Ano Novo.

Não esqueçamos ao longo do ano que começa hoje que há uma imensa sabedoria em viver cada dia como se fosse o primeiro e há imensa felicidade em viver cada dia como se fosse o último. As duas coisas são possíveis ao mesmo tempo.»

(Vasco Pinto de Magalhães, em "Não há soluções. Há caminhos.")