quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Sobre a Dor e a prática médica

"Agradeço a Deus pela dor", declarou Paul Brand, com a mais pura sin­ceridade. "Não posso pensar num presente maior para dar aos meus pa­cientes de hanseníase (A lepra ou hanseníase ou mal de Hansen, do nome de Gerhard Hansen, que identificou o agente da doença é uma doença infecciosa causada pelo Mycobacterium leprae que afeta os nervos e a pele e que provoca danos severos). "A maioria das pessoas vê a dor como uma inimiga. Porém, como os meus pacientes no leprosário compro­vam, ela força-nos a dar atenção a ameaças a que os nossos corpos estão submetidos. Sem ela, um ataque cardíaco, um derrame, um apêndice rompido ou úlceras estomacais aconteceriam sem aviso. Quem iria visi­tar um médico se não estivesse sentindo dor? Notei que os sintomas dos quais reclamavam os meus doentes eram, na verdade, uma prova da cura que o próprio corpo estava promoven­do. De modo geral, todas as reacções dos nossos corpos que vemos com irritação ou nojo - bolhas, calos, inchaços, febre, espirro, tosse, vómito e, especialmente, a dor - demonstram um reflexo em direcção à cura. Em todas essas coisas, normalmente consideradas como nossas inimigas, podemos encontrar uma razão para sermos agradecidos.

Paul Brand expressou o princípio orientador da sua carreira médica da seguinte maneira: "O bem mais precioso do ser humano é o seu espí­rito, seu desejo de viver, seu senso de dignidade, sua personalidade. Embora possamos ser descritos em termos de tendões, ossos e termina­ções nervosas, jamais devemos perder de vista a pessoa que estamos tratando".

Um doente tratado por Paul Brand disse:"Digo-lhe que sou feliz por ter tido esta doença". Perguntei, incrédulo: "Feliz?" Ele respondeu-me: "Sim. Se não fosse a hanseníase, eu teria sido um homem normal, com uma família normal, em busca da riqueza e duma posição mais alta na socieda­de. Nunca teria conhecido pessoas tão maravilhosas quanto o Dr. Paul Brand e a Dra. Margaret, e jamais teria conhecido o Deus que vive neles".

"Nunca ganhei muito dinheiro com a Medicina, especialmente em fun­ção dos lugares onde a pratiquei. Mas digo-lhe que, olhando para trás, para uma vida toda dedicada à cirurgia, vejo que a multidão de ami­gos que um dia foram meus pacientes traz-me mais alegria do que qualquer riqueza poderia dar. Encontrei-os pela primeira vez quando eles estavam sofrendo e com medo. Como seu médico, compartilhei a sua dor. Agora que estou velho, é o seu amor e a sua gratidão que ilumi­nam o caminho da minha vida. É estranho. Aqueles de nós que se en­volvem com lugares em que existe o maior sofrimento olham para trás surpresos por descobrir que ali foi o lugar onde conheceram a realidade da alegria.

"Para aprender como Deus vê o sofrimento neste planeta, precisa­mos apenas olhar para a face de Jesus nos momentos em que ele se move entre os paralíticos, as viúvas e os leprosos. Ao contrário de muitos da sua época, Jesus mostrava uma ternura incomum para com aqueles que tinham um histórico de pecados sexuais - veja como ele age com a mu­lher samaritana no poço, ou com aquela de má reputação que lavou os seus pés com os seus cabelos, ou com a mulher flagrada em adultério. Em Jesus, disse Donne, temos um grande Médico que "conhece as nossas en­fermidades naturais, pois ele as teve, e sabe o peso dos nossos pecados, pois ele pagou um alto preço por eles".

Philip Yancey - "Alma Sobrevivente"

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