sábado, 8 de março de 2014

SOBRE DEUS, OS HOMENS E A LOUCURA


«No hospital psiquiátrico onde eu trabalhava, perto de Besançon, um doente veio ter comigo no primeiro dia, de braços abertos, dizendo-me: "Reconheço-o, você é Deus." Desatei a rir e respondi negativamente pedindo desculpa por o desiludir. Riu por sua vez. Nos dias seguintes, quando nos cruzámos nos corredores, falávamos com o mesmo entusiasmo desse Deus de que ele tinha ouvido dizer tanto bem e que não encontrava em parte alguma.
Eu gostava de ver este homem tal como os seus companheiros de infortúnio. Só me sentia perturbado nos minutos que precediam o meu dia de trabalho, quando ouvia os enfermeiros, na sua sala, falar de mulheres, carros e dinheiro. O vazio das conversas deles parecia-me mais insondável que a loucura dos doentes.
Uma manhã, um médico chamou-me à parte, como quem ralha a uma criança sem a querer humilhar, e sugeriu-me que pusesse um pouco mais de distância entre mim e os doentes. Não é na verdade feito para este trabalho, disse-me ele a sorrir. Não estava errado, embora expulsar a loucura do coração de um homem seja mais um dom do que um trabalho.
Fui-me embora pouco depois, não sem cumprimentar uma última vez aquele que se afadigava de manhã à noite a procurar Deus no primeiro que chegasse. Quem sabe, talvez um dia o tenha encontrado.»

Christian Bobin, em "Ressuscitar"

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