quinta-feira, 30 de outubro de 2008

QUE TEMOS FEITO COM AS NOSSAS VIDAS?


«Que temos feito com as nossas vidas?
Quantos de nós não traímos o que em verdade poderíamos ter sido? (...)

Sabemos que é pelo sucesso que nos medem e é pelo sucesso que nos medimos a nós próprios. Vivemos aterrorizados pela possibilidade de fracassar. Mas nem o medo podemos admitir, e dominar tornou-se a técnica para o afastar(...)
Assim nunca saberemos o que podemos suportar sem sermos derrotados. A derrota é o pesadelo que nos ensombra os dias e as noites.
Continuamos a jogar os jogos que nos desgastam e, no fundo do coração, a acalentar o sonho do que poderíamos ter sido, transparentes e autênticos, se alguém nos tivesse querido tal qual éramos.

Mas não. E traímos aquilo que éramos, aquilo que íamos ser, aquilo que deveríamos ter sido, só para que nos quisessem, para que nos admirassem, para que nos amassem.
E perdemos a autonomia, esse estado de graça em que nos sentimos pacificados com os nossos sentimentos e necessidades, sem termos que provar nada a ninguém.

Que temos feito com as nossas vidas?

Temo-nos traído ou sentimo-nos fiéis a nós próprios? (Julgo que é mais do que uma mera pergunta retórica.)

Bom é saber que podemos recomeçar a qualquer momento.

Bom é saber que Aquele que incondicionalmente nos ama, todas as manhãs nos entrega em branco um dia, garantindo-nos que ainda temos hipóteses, que nada do que possamos ter feito nos condena irremediavelmente, que o exame se repete todos os dias, que há sempre um segunda chamada, que se chumbámos ontem, hoje podemos voltar a tentar.

Bom é saber desse Amor e rendermo-nos a ele

(Henrique Manuel, em "Mas Há Sinais...")

terça-feira, 28 de outubro de 2008

POR QUE TE TRAÍSTE?

«Ouve, por que te traíste a ti próprio?

Afirmas com lamentos que tudo de mal te acontece e não reparas que, afinal, te enganas, julgando-te impotente para modificar a tua vida.

As bênçãos transbordam da tua mão, mas tu, criança mimada pela abundância, não lhes dás atenção.

Pergunta-te e responde se os obstáculos que produziram os teus fracassos não existem apenas na tua mente.

O meu orgulho por ti não conhece limites.
És a minha criação suprema, o maior milagre, em ti pus todos os segredos, até o de mover montanhas e desbravar o impossível.
Descobre-o, confia e rasga um dia novo, uma clareira mais perfeita na tua existência.

O que fizeste com essa força tremenda?

O que passou, passou. Pouco importa o que fizeste, importa o que és.

Conta as tuas bênçãos, os teus dons.

Proclama a tua singularidade, despe-te de máscaras e recomeça, sem angústia e sem pressa.
Concentra-te no poder que tens para escolher e procura pôr amor no que fazes. Amor por ti, pelos outros, amor por mim, teu Deus, que te criou. Não voltes a diminuir-te; a menos que seja para servir livremente.

Não te conformes com as migalhas da vida, nem com a metade de fruto nenhum.

Enxuga as tuas lágrimas, beija as cicatrizes, estende a tua mão, sente o calor da minha e vive este dia com toda a força que te dou.

Não o ouvimos já, e de tantas formas? Senão como o saberíamos?»

(Henrique Manuel, em "Mas Há Sinais...")

domingo, 26 de outubro de 2008

O QUARTO DA ALMA


«Uma cama de luz,
uma cadeira de silêncio,
uma mesa em madeira de esperança,
nada mais:
assim é o pequeno quarto de que a alma é locatária."

(Christian Bobin, em "Ressuscitar")

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Aí fora


«Ando à procura de Deus», respondeu a criança quando o pai lhe perguntou porque corria ela para a Igreja.

- Mas Deus não está em todo o lado? - insiste o pai.
- Sim, Deus está em todo o lado.
- E não é sempre o mesmo onde quer que esteja?
- É, responde a criança, Deus é sempre o mesmo. Eu é que não sou o mesmo em todos os sítios...

Conta-se também que havia uma senhora muito devota. Deus ocupava o lugar cimeiro da sua vida. Todas as manhãs, mal o dia começava, ia à igreja rezar. Pelo caminho havia sempre quem precisasse da sua ajuda, mas ia tão concentrada nas suas devoções que não os via.
Um dia, depois de ter percorrido o caminho habitual em direcção à igreja, e no momento em que o culto ia começar, empurrou a porta, mas ela não se abriu. Insistiu. Em vão. A porta estava fechada à chave!
Aflita por, pela primeira vez na sua vida, não poder assistir ao culto e não sabendo já que fazer, olhou para o céu. E foi então nesse movimento do olhar que, precisamente ali, frente aos seus olhos, viu um papel colado na porta da igreja com este pequeno recado manuscrito: Estou aí fora.»

(Henrique Manuel, em "Mas Há Sinais...")

terça-feira, 21 de outubro de 2008

SANTAS


"As santas que conheci não se preocupavam com sê-lo. Tinham todas as idades e aparências. E, em comum, o passar pelo mundo com uma grande naturalidade e alegria como se nunca tivesse havido lei nem moral.

Sem pensar, cada uma delas dava mais amor do que o sol luz.

Uma, já idosa, ocupava-se de um jardinzinho e dormia num quarto do tamanho de uma casca de noz.
Outra trazia consigo a alegria como um pardal que esvoaçasse nos seus olhos claros.
Uma terceira, com quatro anos de idade, descobria, nas brincadeiras de que não se fartava, razão bastante para rir o dia inteiro." (Christian Bobin, em "Ressuscitar")

domingo, 19 de outubro de 2008

CONVERSA SILENCIOSA


"Acabo de ter uma conversa silenciosa com um bébé de dez meses. Olhámo-nos nos olhos durante mais de um quarto de hora. A nossa conversa era de ordem metafísica. Eu alegrava-me com a sua presença e ele admirava-se com a minha. Chegámos à mesma conclusão, o que nos fez desatar a rir ao mesmo tempo." - Christian Bobin, em "Ressuscitar"

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A meta é o Amor!

"O mandamento do amor não é uma simples exigência moral que podemos cumprir por um acto de vontade. Trata-se antes do começo de um longo caminho de desenvolvimento no decorrer do qual desmascaramos e expulsamos aquele egocentrismo tão profundamente arraigado em nós, e então conseguimos entrar em contacto com o nosso verdadeiro centro do qual brota o amor. A meta do nosso caminho de amadurecimento é o amor. Por meio de suas palavras e do seu exemplo, Jesus nos capacita para esse amor que não transforma só a nós mesmos, mas, pouco a pouco, também à sociedade humana." (Anselm Grün, em "Jesus - Porta para a Vida")

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

NÃO É FÉ

Se a nossa fé
não nos fizer acreditar que o dia de hoje pode ser melhor do que o de ontem;
se não nos arrancar da mesquinhez egoísta que nos esmaga de solidão e morte;
se não nos puxar os braços para os outros, na gratuidade natural de quem respira;
se não fizer com que a poesia desça ao nosso peito e as crianças e velhos bebam luz dos nossos olhos;
se formos secos de ternura e apenas e só prudentes como as serpentes;
se não passarmos de atarefados medricas a fugir, dias fora, da própria sombra;
se faz tremer a verdade e não rói os alicerces à mentira;
se não estrangula o desespero e incendeia a alegria;
se não nos fizer pôr na vida a beleza das palavras que engendramos,
então não é fé, pelo menos não é cristã.


Agarra-nos pelos ombros e diz-nos outra vez: «se a tua fé fosse sequer do tamanho de um grão de mostarda, dirias a esta montanha: vai daqui para ali, e ela iria e nada te seria impossível.» (Henrique Manuel, em "Mas Há Sinais...")

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A MAIOR DÁDIVA


«Todos somos radicalmente insatisfeitos, pois todos somos estimulados e treinados a viver voltados para o futuro, planeando para o futuro, ou então para o passado, lamentando-o ou analisando-o repetidamente. Nossa insatisfação nos faz perder a única oportunidade que temos de contentamento, de plenitude de vida. A única oportunidade que temos é o momento presente. Se o deixamos escapar, perdemos tudo.

Viver no passado ou no futuro só implica descontentamento, pois a preocupação excessiva com o que nos falta e com o que desejamos impede-nos de enxergar o que nos é dado. (...)
O estado de descontentamento é determinado não pelo espírito de amor, mas pelo egoísmo. O único caminho para a paz é o reconhecimento e a aceitação daquilo que nos é dado. Geralmente, a maior dádiva que recebemos nos escapa à atenção. Geralmente não conseguimos vê-la. Não se trata de saúde, riqueza, beleza ou talento. A maior dádiva é o nosso ser, simplesmente o facto de sermos." Laurence Freeman, em "A Luz que vem de dentro"

sábado, 11 de outubro de 2008

DEUS EM NÓS


"Tudo o que sei do céu me vem do espanto que experimento perante a bondade inexplicável desta ou daquela pessoa, à luz de uma palavra ou de um gesto tão puros que me revelam bruscamente que nada no mundo poderia ser a sua origem. (...)

Há almas nas quais Deus vive sem que elas disso se apercebam. Nada deixa supor essa presença sobrenatural, senão a grande naturalidade que inspira aos gestos e às palavras daqueles em que habita." Christian Bobin, em "Ressuscitar"

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

POBREZA


"Quando se perde algo de material, cai imeditamente uma moeda de ouro no mealheiro da Pobreza.

Retirei muitas coisas inúteis da minha vida e Deus aproximou-se para ver o que se passava." - Christian Bobin, em "Ressuscitar"

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

AS TENTAÇÕES HUMANAS EM RELAÇÃO AO AMOR

Dar-se-sem-se-dar: brincar ao amor sem se comprometer. Tocar sem se deixar afectar, sem perder as suas seguranças. Os homens querem deixar sempre livre o caminho de regresso. Então dão-se mas não se dão. Querem ter a sensação de que amam mas sem correr nenhum risco pessoal.

Fazer-coisas-em-vez-de-estar: Pensar que o amor se pode trocar por fazer coisas, não entender que consiste sobretudo em estar presente... O amor não consiste em horas, nem em cânticos, nem em roupas, nem em sorrisos, nem em reuniões, nem em nada do que se possa fazer por fora. O amor consiste em dar-se a si mesmo e para isso é preciso ter tempo para estar com o outro, ter tempo para simplesmente estar.

Dar-a-mão-sem-se-abaixar: Pensar que se pode amar sem se abaixar, sem ficar a perder. Mas amar é aceitar chegar a perder para que o outro fique a ganhar. Amar é quebrar a linha que nos mantém sempre por cima, na nossa auto-suficiência.

Dar-para-se-preencher: Procurar uma outra pessoa para tapar os seus próprios buracos. Só pode amar quem aceita viver a sua própria solidão e sabe que não precisa do outro para sobreviver. A solidão não é o contrário do amor - como os homens muitas vezes pensam -, é o seu alicerce escondido. O verdadeiro amor alimenta a independência. Quem deixa de ser quem é não pode amar. O amor não te faz ser outro, diferente de ti, faz-te ser o melhor de ti próprio.

Vender-se-para-agradar: Os homens, para agradar àqueles que dizem amar, são capazes de empenhar o que têm de mais sagrado. Vendem os seus ideais, comportam-se como se não fossem eles, tornam-se incapazes de dizer o que realmente pensam, relativizam aquilo em que realmente acreditam para não perderem o outro.

Manipular-o-outro-para-não-o-perder (esta é a maior das tentações): seduzir o outro de forma a que ele não possa recusar o amor, a que não possa viver sem nós, e fique convencido de que já não é ninguém sem esse amor…

Nuno Tovar de Lemos, em "O Príncipe e a Lavadeira" (adaptado)

sábado, 4 de outubro de 2008

AJUDAR O QUE SOFRE

"Sofre-se muito neste mundo e todos nós sofremos ao ver os outros sofrer. E sofremos até porque lhes queríamos arranjar uma solução e não sabemos onde está, nem como encontrá-la. Mas quem sofre, a maior parte das vezes, mais do que uma solução, só quer partilhar a sua dor, ser ouvido e apreciado, acompanhado. Não é estranho que seja dessa ajuda, que todos podemos dar, que a maior parte de nós foge?" (Vasco Pinto de Magalhães, s.j. in "Não há soluções, há caminhos")

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Prémio Butterfly Award


A minha amiga Viviana do blogue "Olhai os lírios do campo", acabou de me distinguir com este prémio, que ela por sua vez recebeu do blogue "Práxis Cristã"

As regras para receber esse mimo são:
1)Colocar este logo no seu blog;
2)Adicionar o link do blog que lhe ofereceu o prêmio;
3)Indicar no mínimo 7 outros blogs;
4)Adicionar no seu blog os links destes outros blogs que acabou de premiar;
5)Comunicar os premiados.

Pela riqueza de conteúdos e pelos valores que transmitem, os contemplados são:
Muitos mais havia para nomear. Contudo, segundo as regras, apenas posso distinguir sete.
Agradeço a todos os que visitam o blogue. A vossa "presença" e os comentários que deixam são um estímulo importante. Deus vos abençoe!


quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Não-é-bastante


No romance de N. Kazantzaki, Última Tentação de Cristo (depois adaptado ao cinema por Martin Scorcese), um personagem dirige-se a Deus e pergunta-lhe qual o seu verdadeiro nome.
E uma voz responde:
- O meu nome é «Não-é-bastante». É o nome que eu grito em silêncio a todos aqueles que se atrevem a amar-me.

Não-é-bastante... Talvez seja este o nome de todo o verdadeiro amor.

Nunca se ama o suficiente. O amor é uma estrada que continua sempre para além do horizonte.

No horizonte visual duma grande planície pomo-nos a andar em direcção ao horizonte. Mas quando chegamos onde antes nos parecia ser o fim do horizonte, o fim deslocou-se para além do horizonte...

S. João da Cruz dizia que «o amor é fogo que arde com apetite de arder mais. Sempre mais!»

E a tal voz:

«O meu nome é "Não-é-bastante". É o nome que eu grito em silêncio a todos aqueles que se atrevem a amar-me.» (Henrique Manuel, em "Mas Há Sinais...")