«Quantas vezes, um encontro não esbarrou contra barreiras de blocos de cimento em mim!
Coração de pedra, coração de pedra,
sinto... medo,
fuga em mim...
Incapaz de amar, de escutar,
procuro esquivar-me.
Quem poderá libertar-me?
Aquele que se agarra à segurança do trabalho quotidiano,
do horário, da organização, da família e das amizades,
esse já não vive.
Para viver, é preciso a segurança,
mas mais ainda
a aventura, o risco, o dinamismo, o dom de si, a solidariedade com os outros.
Medo de perder o meu dinheiro, o meu tempo,
a minha reputação, a minha liberdade;
medo, sobretudo, de me perder a mim próprio,
medo do desconhecido,
porque a miséria é uma terra desconhecida;
terror do desespero: essas mãos... essas mãos,
essas mãos que se estendem para mim,
essas mãos,
tenho medo de as tocar,
porque me podem submergir
num futuro desconhecido...
Então, volto as costas... e fecho-me em mim...
na minha segurança...
sozinho dentro de mim mesmo...
Recuso-me a amar... porque tenho medo da tua mão estendida,
que me chama para o desconhecido do amor... ;
porque tenho medo do vazio que há em mim, da minha pobreza, do chamamento para a morte;
tenho medo de mim próprio e fecho o meu coração... bloco de cimento que me separa de ti,
meu irmão desesperado...
Tu, sim, tu estás numa prisão de desespero e tristeza.
Eu também sou prisioneiro, as minhas grades são,
os meus supostos amigos, os meus clubes, as convenções sociais de moda;
barreiras que eu consolidei para te tirar da minha vida, meu irmão,
porque a tua presença, miserável, triste, é um apelo...
Desvio o olhar, ou, então, tenho a ousadia...
(o amor é o maior de todos os riscos)
de me dar a ti, meu irmão.
Terei eu a coragem de mergulhar no redemoinho da água viva, do amor fiel?
Que eu tenha a audácia,
a audácia de crer no teu apelo silencioso,
nas tuas lágrimas de silêncio.
Mas há também o mundo da eficiência, das técnicas, dos diplomas, dos negócios (negócios são negócios!),
e os amigos que pensam que sou louco... (serão meus amigos? estarei eu louco?)
a dúvida, as forças inimigas, a lassidão;
o medo.
Todavia, a vida chama-me, a compaixão mora nas minhas entranhas,
essa guerra estranha e silenciosa...
Terei a ousadia de crer? Terei a ousadia de fugir ao Teu apelo?
«Se abrires a tua alma ao faminto, e fartares o aflito; então a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio dia. O Senhor te guiará continuamente, e te fartará até em lugares áridos, e fortificará os teus ossos; serás como um jardim regado, e como um manancial, cujas águas nunca falham. E os que de ti procederem edificarão as ruínas antigas; e tu levantarás os fundamentos de muitas gerações; e serás chamado reparador da brecha, e restaurador de veredas para morar.» (Isaías 58, 10-12)
Ó Deus, ó meu Deus,
não me deixeis vergar, diminuir!
Não me deixeis afundar num sono sem fim!
Impedi que caia na prisão dos hábitos egoístas cujas grades são os amigos superficiais,
os «cocktails», as gargalhadas estúpidas, os beijos sem amor,
os presentes para glória do ofertante, os negócios e as administrações sem coração;
essas grades que impedem a vida cheia de cor em busca do infinito, aberto ao Teu apelo.»
(Jean Vanier, em "Novas perspectivas do amor")
1 comentário:
Caraca!!!!!!!!
o q mais chamou atenção foi:
" APELO DE DEUS.."
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