domingo, 29 de novembro de 2020

ADVENTO


“A Fé, mais do que exercício de acreditar, é uma Pedagogia do olhar.”

Rui Santiago cssr

"Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos."

Eugénio de Andrade

Desenho do meu caro amigo Agustin de la Torre

 

ESTAR VIVO

"...Morremos de doenças, mas morremos mais fácil de muitas outras coisas. Solidão. Medo. Incompreensão. Ausência de paz. Ausência de amor.

O que significa estar e ser presente na vida de alguém? De que forma eu me faço presente? O que realmente importa no encontro com o outro? O toque? O olhar? As palavras? O escutar?

Sentir insegurança, medo, correr riscos, não ter controlo sobre tudo, são sinónimos de estar vivo. Não são enganos. Não são erros. É assim mesmo. Estar morto é não ter medo e ter tudo estático e sobre controlo..."

Ana Ascensão, in CONVERSAS DESCONFInADOS

Desenho de Agustin de la Torre - https://agustindelatorre.com/

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

«Sim, acreditar num Deus que não vemos também significa, no mínimo, esperar que Ele esteja onde nós não o podemos ver e, muitas vezes, onde estamos absolutamente convencidos que Ele não está nem poderia estar.»

Tomás Halík, in "Paciência com Deus"

Imagem: Agustin de la Torre - https://agustindelatorre.com/


 

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

ESPERANÇA POUSADA NO UMBRAL DA PORTA


A manhã começa verde:
pulo da cama,
estendo os braços
para apagar os últimos
vestígios de um sonho,
mordo a maçã,
arrumo o mapa
do meu coração
e parto como um barco
de madeira antiga
para as surpresas do dia.

Pousada no umbral da porta,
a esperança me olha
como folha verde na água,
como esmeralda encantada.

Roseana Murray

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

ESTE É O MEU TEMPO

 

"Há um tempo para tudo.

E inclusive, um tempo para aquilo que não gostamos, não queremos ou não compreendemos. (…)

Como há um tempo para tudo, há dentro deste tempo um tempo de ser nada. Um tempo de não perceber nada do que se passa, de tudo parecer estranho. De por momentos parecer que vivemos num outro mundo.

Na expressão “só sei que nada sei” não é nada sei que nos inquieta, mas sim o só sei (que nada sei).

Queremos saber tudo, controlar tudo. Mas o comando não é nosso. E inclusive quando nos é dado comandar e fazer e ser aquilo que podemos ser, esquivamo-nos dessa oportunidade única. (…)

Este tempo talvez nos inquiete a todos, ou só alguns, porque nos coloca nus. E na vida, queremos sempre estar bem vestidos. (…)

É a vida. Tenho tido um certo gosto em usar esta expressão, de certa forma banalizada, de definir de forma crua a vida. É ela, no seu estado natural. Assim como nós. Nus e desprotegidos. (…)

Acredito que esta possa ser a pergunta de muitos. Porquê? Quando é que isto irá acabar? Porquê esta injustiça de vida? Que tempo é este?

E acredito que a melhor resposta poderá ser "este é o meu tempo". Este é o tempo que me calhou viver. Este é o tempo que me coloca as perguntas que hoje vivo. Este é o tempo onde posso crescer e aprender ou optar por fechar-me ainda mais em mim.

As notícias fazem a realidade e no entanto a realidade é tanto mais. Se uma doença é notícia todos os dias, o mundo passa a ser essa doença. Os meus olhos deixam de olhar outras direcções e de ver a vida além disso. Se as notícias fazem a realidade que notícias quero espalhar?

Que tempo é este? Não é mau, nem é bom. Este é o meu tempo. E que eu o saiba viver, porque esta é a minha vez.

Há um tempo para tudo… tempo para destruir e tempo para edificar. Tempo para chorar e tempo para rir, tempo para se lamentar e tempo para dançar. Tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço…

Somos ciclos, somos um ciclo Vida/Morte/Vida. A vida é este ciclo. Nos nossos dias estão constantemente a nascer e a morrer pensamentos, situações, emoções, acções, relações. E uma vez mais isto reforça a importância de compreendermos a vida como um ciclo de Nascer-Morrer-(Re)-Nascer, para vivermos com maior paz e nos sentirmos mais plenos e serenos em cada fase, ciclo ou tempo que nos é apresentado para viver.

Como há um tempo para confinar, há-de chegar também o momento de desconfinar. E a seguir a um momento de isolamento vem um momento de tornar tudo mais vasto e abrangente. Ajuda-nos saber que sempre que há o fim de algo, haverá necessariamente um começo, e precisamos desta confiança.

Há um tempo para tudo…"

Ana Ascensão, in CONVERSAS DESCONFInADOS


terça-feira, 17 de novembro de 2020

A VIDA...

"A vida está sempre a murmurar os seus segredos: justiça, amor, compaixão, a grande união entre a diversidade. Estamos demasiado ocupados para escutar, somos demasiado barulhentos para ouvir o que quer que seja senão a nossa insensatez. Sê silencioso. Sê quieto. Ouve e comparece."

De Pirke Avot, sabedoria hebraica


 

domingo, 15 de novembro de 2020

PARA VOAR...


Para voar é preciso
mais do que asas
e ar,
é preciso cortar
os medos
que nos esperam
cada manhã
ao pé da cama,
no parapeito da janela.
Cortar o medo
com faca afiada
em pequenos pedaços
e então romper o espaço
que separa o chão
do céu.

Roseana Murray


sexta-feira, 13 de novembro de 2020

terça-feira, 10 de novembro de 2020

FRATELLI TUTTI

Desenho de Agustin de La Torre: https://agustindelatorre.com/

 

CORRE!!!


"E ousaram – aventura a mais incrível –
Viver a inteireza do possível"

Sophia de Mello Breyner Andresen
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"Eles iam os dois apanhar o autocarro do costume. Saí com eles de casa porque ia tomar um “cafézinho”. Ia um bem à frente e o outro mais atrás, próximo de mim. Quando estávamos mesmo a chegar à rua, o que ia à frente viu o autocarro já na paragem…

Parou, virou-se para trás e disse: “Pronto! Já perdemos o autocarro!” O que vinha mais atrás respondeu-lhe “CORRE!!!” e desatou a dar corda às sapatilhas! Passou ainda à frente do primeiro, que o seguiu já a correr também, e apanharam os dois o autocarro enquanto eu, atrás, me ria…

E aquela imagem não deixou mais de dançar dentro da minha cabeça…

O autocarro ainda passou por mim depois, enquanto eu atravessava a rua, e lá de dentro viram-me apenas a rir e a abrir os braços no passeio, como quem diz: “Vês?!”

Há momentos que são quase como páginas bíblicas sobre as quais é preciso parar para ler, meditar, orar… Lembrei-me que muitas vezes nos queixamos antes do tempo. Queixarmo-nos antes do tempo faz-nos desistir antes do tempo… Só Deus saberá quantas oportunidades já perdemos por nos termos queixado enquanto ainda era tempo de nos termos esforçado!

Enquanto caminhava, quase sem me dar conta já estava a dialogar com Jesus Ressuscitado no meu íntimo, pedindo-lhe que me ajudasse a ser sempre Sábio e Corajoso para não deixar fugir oportunidades ao meu alcance por me ter queixado ou desistido antes do tempo e, assim, ter tornado impossível algo que era possível! Pedi-lhe também a mesma Sabedoria e Coragem para saber discernir todas as situações da minha Vida de maneira a não me cansar em vão correndo atrás de ilusões. Enquanto caminhava, tive a certeza que o Mestre tinha prestado atenção ao que lhe tinha dito, e rimo-nos juntos daquele “CORRE!!!” que, nos primeiros centésimos de segundo, tinha deixado o outro parceiro atordoado!

Já a chegar a casa depois de dar a volta ao quarteirão, saboreava ainda esta verdade da Vida Humana em construção como uma dinâmica permanente de realização de possibilidades. O Ser Humano constrói-se na medida em que faz opções de realização dentro de um leque de possíveis. Cada realização de um possível, abre um novo leque de possíveis, e por aí adiante…

E esta situação fez-me renovar também a consciência de que o mais determinante na construção pessoal de alguém não é o leque de possíveis que se tem à partida, mas a Fidelidade, a Coragem e a Sabedoria com que os realiza. É a lógica da “parábola dos talentos” que Jesus contou, em que o determinante não foi ter 10, 5 ou 1, mas sim aquilo que cada um conseguiu fazer render.

Gostava que nestas coisinhas pequeninas do dia-a-dia, fôssemos aproveitando sempre para estarmos atentos e treinarmos esta arte de não perdermos possibilidades com facilidade… Às vezes, uma queixa antes do tempo é o suficiente para que um possível se torne impossível! Às vezes, um baixar de braços antes do combate acabar faz com que percamos o combate…

E também gostava de outra coisa, já agora que estou numa de sonhar: que o Espírito Santo nos encontrasse suficientemente atentos para o escutarmos sempre que ele gritar dentro de nós “CORRE!!!”, e suficientemente disponíveis para o gritar através de nós àqueles que amamos…"

Rui Santiago cssr

sábado, 7 de novembro de 2020

O DECISIVO É O CORAÇÃO


«O decisivo é o coração, esse lugar secreto e íntimo da nossa liberdade onde não nos podemos enganar a nós mesmos.»

(José António Pagola)

«É no coração que todo o homem ri, sofre, se perde ou se descobre. É nele que tudo nasce ou morre».

(Henrique Manuel Pereira)

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Certo dia, Deus viu que estava a ficar cansado das pessoas. Elas estavam sempre a incomodá-lo, pedindo coisas e mais coisas... Então disse: “ Vou esconder-me por uns tempos! ” Reuniu alguns dos seus conselheiros e perguntou-lhes: “ Qual é o melhor lugar para eu me esconder? ”
Alguns disseram: “ no cume da montanha mais alta da terra! ”. Outros, pelo contrário, achavam que era no fundo do mar. Aí, certamente, ninguém O encontraria. Outros responderam: “ O melhor lugar é na lua! Lá é impossível alguém descobrir o Senhor. ”
Então Deus perguntou ao seu conselheiro mais inteligente: “ Onde achas melhor eu esconder-me? ” E ele, sorridente, respondeu: “ Senhor, esconda-se no coração do ser humano. Esse é o único lugar onde ele nunca vai! ”

(Autor desconhecido)

Imagem: frase de António Lobo Antunes



terça-feira, 3 de novembro de 2020

«Acreditam na vida antes da morte?»

"Uma vez, vi grafitada num muro uma pergunta: «Acreditam na vida antes da morte?» Foi um baque para mim. Claro que alarga infinitamente o horizonte acreditar que há vida depois da morte. Porém, se eu, por algum motivo, desistir de confiar que existe vida (isto é, possibilidade de vida verdadeira), antes da minha morte, tudo fica estranho, escuro e perdido."

José Tolentino Mendonça, in O Hipopótamo de Deus

domingo, 1 de novembro de 2020


Quem sente o grito de quem chora,
quem escuta o silêncio que implora,
quem consegue ler no olhar de uma criança
uma lágrima ainda não chorada;

quem pode intuir o drama
no coração de um homem,
a angústia que corta o alento,
quem vê numa árvore seca
os frutos sumarentos que ela pode dar;

quem vê o sol quando não o há,
quem fica encantado a olhar para as estrelas
ainda por despontar,
quem tem a inocência obstinada de uma criança:

isso é Deus, e desse Deus
estou enamorado, loucamente enamorado.
Tudo o resto é lodo,
porém, desse lodo,
pode nascer e renascer um homem.
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Ernesto Olivero