sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Dois homens a chorar num restaurante de luxo

Pedro Paixão é um dos meus escritores preferidos. Já perdi a conta das vezes que li este texto. Eu que já senti tantas vezes "aquela dor que bate quando quer", e por isso sinto uma empatia profunda por estes dois homens sensíveis sentados à mesa de um restaurante, presos à nostalgia de um amor grandioso e profundamente doloroso.

Escolhemos uma mesa junto à janela e pedimos cherne grelhado.
Há quatro meses que não nos vemos, cada um com os seus problemas, ele a refazer uma empresa, eu a curar-me de ti. Claro que de ti não falo, porque não temos intimidade para isso e porque falar de ti é arriscar-me a reavivar a ferida, a dor que hoje ainda não senti. Por isso nem minto quando digo que já estive mal e que hoje estou bem. Mas, de repente, o meu amigo, o meu novo amigo, sem que pareça vir a propósito, começa a falar de um amor antigo e que não passa, um amor excessivo como o nosso e eu fico preso às palavras que me diz sem cuidar de mais nada.
Como é possível que outros tenham sentido o que eu senti? É um escândalo. Eu digo-lhe que o meu interesse é puramente literário mas que por favor não pare. Há pormenores, detalhes que são uma réplica perfeita do que fomos, coisas sem importãncia que guardamos como tesouros. Olhamo-nos fixamente nos olhos como se um do outro aguardássemos uma resposta a qualquer coisa que não saberíamos pôr por palavras, naúfragos sem desejar salvação. E enquanto ele me conta devagar, com todos os cuidados - é imperioso que nada falte - a despedida, o último abraço, a voz embarga-se-lhe, vêm-lhe lágrimas aos olhos e depois sorri. Também eu sinto os olhos húmidos, uma vontade de o abraçar, de o proteger, embora ambos saibamos que não há maneira de afastar para longe aquela dor que bate quando quer.
Pagamos a conta e saímos, seguindo calados pelas ruas cheias de um sol sem compaixão. Uma montra lembra-nos com malvada ironia que vem aí o dia dos namorados. Deixo-o à porta do escritório onde nos abraçamos pela primeira vez e continuo em frente sem me perguntar para onde.

Pedro Paixão, em "Amor Portátil"

2 comentários:

Anónimo disse...

Realmente é verdade "não há maneira de afastar para longe aquela dor que bate quando quer."
Pode ser uma dor forte mas trás à nossa memória,...........
"....pormenores, detalhes que são uma réplica perfeita do que fomos, coisas sem importãncia que guardamos como tesouros."
DAfonso

Constança disse...

É um texto muito bonito que fala sobre a dor ao amor...Mas quem ainda não sentiu?É essa a dor que nos faz perder a vontade de viver, é essa a dor que nos traz à memória os pequenos momentos que foram outrora grandes e nunca sairão da nossa memória, é essa a dor que nos faz perder a cabeça...é também essa dor que nos faz perguntar "porque já não há"...Antes de se acabar, temos que lutar tantas vezes contra nós próprios, contra a nossa memória e até contra o nosso coração...Mas essa luta valerá sempre a pena...porque mais tarde ador desaparcerá e um alívio dominará os nossos sentimentos...Mas enquanto há ilusões e desilusões, amores e dores, vale sempre a pena amar...