terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A PRISÃO DO ORGULHO

Choro, metido na masmorra
do meu nome.
Dia após dia, levanto, sem descanso,
este muro à minha volta;
e à medida que se ergue no céu,
esconde-se em negra sombra
o meu ser verdadeiro.

Este belo muro é o meu orgulho,
que eu retoco com cal e areia
para evitar a mais leve fenda.

E com este cuidado todo,
perco de vista
o meu ser verdadeiro.

(Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera")

domingo, 28 de dezembro de 2008

EGOÍSMO

Fui sozinho à minha entrevista,
Quem é esse que me segue
na escuridão calada?

Afasto-me para ele passar,
mas não passa.

Seu andar soberbo
levanta poeira,
sua voz forte
duplica a minha palavra.

Senhor,
é o meu pobre eu!
Ele não se importa com nada.
Mas como sinto vergonha
por ter de vir com ele à tua porta!

(Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera")

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

UMA NOITE ILUMINADA, A PARTIR DE DENTRO


Um Santo e abençoado Natal para todos vós: amigos, leitores, irmãos.
Sintam-se abraçados fraternalmente.
"É tempo de luzes, de corridas nas lojas e de prendas.
Que qualidade de vida é esta?
Dar presentes ou ser presentes?
Não valeria mais a pena estar presente, dar atenção, dar tempo, dar ouvidos, dar oportunidades, dar-se?
Vamos dar a nós mesmos um espaço para reflectirmos e para nos alegrarmos?
Ou vamos ter mais um Natal de consumo, sem sumo nenhum?"

(Vasco Pinto de Magalhães, em "Não há soluções. Há caminhos")

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

O MUNDO NOVO DO AMOR VERDADEIRO

«Aprender a dar e a receber gratuitamente pressupõe uma reeducação longa e laboriosa da nossa psicologia, que não está «estruturada» para um tal regime, pois está condicionada por milénios de necessidade de luta pela sobrevivência.
Diria talvez que a irrupção da revelação divina e do Evangelho no mundo, é como que um fermento evolutivo que tem por objectivo «transferir» o nosso psiquismo para uma lógica de gratuidade - a do Reino, a do amor. Trata-se de um processo de divinização, pois o objectivo é chegarmos a amar como Deus ama: «Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste» (Mt 5, 48) (...)

Não podemos adoptar uma nova maneira de ser senão à custa do «luto» de muitos dos nossos comportamentos naturais, de uma espécie de agonia. No entanto, uma vez transporta a «porta estreita» da conversão da mentalidade, o universo ao qual acedemos é esplêndido: é o Reino, o mundo onde o amor é a única lei, um paraíso de gratuidade onde o amor pode permutar-se sem limites, dar-se e receber-se sem restrições, onde já não há «direitos» nem «deveres», nada a defender nem nada a conquistar, nenhuma oposição entre o «teu» e o «meu», onde o coração se dilata ao infinito.

Neste mundo novo, reina o amor, um amor terrivelmente exigente (pois quer tudo: enquanto não amarmos totalmente, não amamos de verdade), mas soberanamente livre, pois não tem outra lei senão ele próprio.»

(Jacques Philippe, em "A Liberdade Interior")

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

DAR E RECEBER GRATUITAMENTE

Estamos no mundo para aprender a amar, matriculando-nos na escola de Jesus.
Aprender a amar é extremamente simples: é aprender a dar gratuitamente e aprender a receber gratuitamente....

Dar gratuitamente não é para nós espontâneo. Temos uma grande tendência para dar para receber em troca. O dom de nós mesmos é sempre motivado, em maior ou menor grau, pela expectativa de alguma gratificação. O Evangelho convida-nos a pôr de parte essa limitação para praticar um amor tão puro e desinteressado como o do próprio Deus, um amor que seja livre precisamente por ser capaz de existir e de durar sem ser condicionado pela resposta nem pelo mérito daquele a quem se destina...

Também não temos facilidade em receber gratuitamente...
Receber gratuitamente pressupõe que tenhamos confiança naquele que dá, que tenhamos o coração aberto e disponível para receber...

Não podemos receber gratuitamente se não nos reconhecermos e nos aceitarmos como pobres; e o orgulho recusa-se terminantemente a fazê-lo. Somos capazes de reivindicar, de exigir, mas raramente de aceitar.

Pecamos por falta de gratuidade sempre que, nas nossas relações com Deus ou com os outros, o bem que tivermos realizado nos sirva de pretexto para reivindicar algum direito, para exigir reconhecimento ou qualquer gratificação por parte de outro. E também, mais subtilmente, sempre que tivermos receio, por causa desta ou daquela limitação ou falha pessoal, de não receber amor, como se o amor devesse pagar-se ou merecer-se.»

(Jacques Philippe, em "A Liberdade Interior")

domingo, 14 de dezembro de 2008

Por causa do Teu Amor

«Trata-se de uma autêntica revolução interior: proceder de maneira a não me apoiar no amor que tenho a Deus, mas exclusivamente no amor que Deus me tem...
Quando já não acreditares no que podes fazer por Deus, continua a acreditar no que Deus pode fazer por ti...

Deus não me ama por causa do bem de que sou capaz, do amor que Lhe tenho, mas ama-me de uma maneira absolutamente incondicional, por causa de Si mesmo, da Sua misericórdia e da Sua infinita ternura, unicamente em virtude da Sua Paternidade para comigo.

Esta experiência produz um grande abalo na vida cristã, que vem a ser uma graça imensa: o fundamento da minha relação com Deus, da minha vida, não mais está em mim, mas total e exclusivamente em Deus.» Jacques Philippe, em "A Liberdade Interior"

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A VIDA É ESPANTOSA...


«Tem nove meses. Está sentado ao meu lado no carro que conduzo através de um campo inundado de sol. Enquanto tomo atenção à estrada, observo-o de vez em quando.
Tem nos olhos a gravidade de um sábio. Estuda as luzes, as sombras e os laços dos sapatinhos, que agarrou. Por vezes um pensamento fá-lo franzir a testa.

Abrando um pouco, inclino-me para ele e digo-lhe a rir: "A vida é espantosa. Vamos todos morrer mas mesmo assim é fabulosa."
Ele interrompe os estudos, fixa em mim os olhos negros como ameixas, sorri de lado e retoma os pensamentos profundos, imperturbável, majestoso.» (Christian Bobin, em "Ressuscitar")

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

ALMAS PURAS E SIMPLES


Os orgulhosos ensinaram-me a humildade,
os impacientes a lentidão,
os perversos ensinaram-me a rectidão e,
quanto aos raros que possuíam uma alma simples,
ensinaram-me a ler no seu coração os enigmas do universo visível e invisível,
tão facilmente como um recém-nascido lê na face da sua mãe.

Há poucas alegrias neste mundo
que não tenham secretos laivos de melancolia,
e é uma felicidade sem mácula descobrir uma alma pura.
São almas que se parecem com os primeiros livros infantis:
também contêm poucas palavras e são igualmente coloridas.

Não há alegria mais violenta que encontrar uma alma pura:
dá vontade de morrer de imediato."

(Christian Bobin, em "Ressuscitar")

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O CORAÇÃO DE DEUS


Deus é mais fácil de matar do que um pardal,
e o Seu coração
mais fácil de rasgar do que uma folha de papel -
até as crianças sabem disso...

(Christian Bobin, em "Ressuscitar")


domingo, 7 de dezembro de 2008

O Pintarroxo


"Tornei-me amigo de um pintarroxo. Olhava para mim, de patitas solidamente plantadas num ramo de árvore.
Um Deus trocista brilhava nos seus olhos e parecia dizer-me:
"Porque passas a vida a tentar fazer coisas? Ela é tão boa quando vai passando, indiferente a razões, projectos e ideias.".
Não soube que responder-lhe." - Christian Bobin, em "Ressuscitar"

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O MAL VEM PREENCHER UM VAZIO

«Observei muitas vezes que as pessoas mais críticas são aquelas que têm em si um grande vazio espiritual. Chego a perguntar-me se determinadas pessoas não sentem necessidade de fabricar inimigos para poderem exisitir, precisamente por ser enorme o seu vazio interior...

Se o mal penetra o nosso coração, é porque aí encontra um lugar onde se instalar, uma certa cumplicidade.
Se o sofrimento nos faz azedos e maus, é por termos o coração vazio: vazio de fé, de esperança e de amor.
Pelo contrário, se nele houver uma total confiança em Deus, se esperar tudo da Sua bondade e fidelidade, se a finalidade da nossa vida não for a procura de nós mesmos, mas fazer a vontade de Deus, amá-l`O de todo o coração e amar o próximo como a nós mesmos, então o mal não pode penetrar nele de maneira nenhuma.

Se nos enraizarmos em Deus pela fé e pela oração, se deixarmos de censurar aqueles que nos rodeiam por tudo o que não corre bem na nossa vida e de nos considerar vítimas dos outros ou das circunstâncias, se assumirmos decididamente as nossas próprias responsabilidades e aceitarmos a nossa vida como é, se lançarmos mão, constantemente, das nossas capacidades de crer, esperar e amar, se estivermos resolvidos a conquistar a liberdade de que temos falado (liberdade interior), ela ser-nos-á progressivamente concedida.» (Jacques Philippe, em "A Liberdade Interior")

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

NÃO JULGAR

Quantos de nós não nos irritamos e julgamos os outros, sem compaixão; sem tentar compreender as suas motivações mais íntimas; a dor e o sofrimento que podem estar por detrás de uma determinada atitude, reacção ou comportamento?

Partilho convosco uma história que li há pouco tempo:

«Stephen Covey lembrou-se de um incidente enquanto andava no metro de Nova York, num domingo de manhã. Os poucos passageiros a bordo estavam lendo jornal ou cochilando. Era uma viagem silenciosa, quase sonolenta.
Covey estava absorto em sua leitura quando um homem, acompanhado de vários filhos pequenos, entrou na estação seguinte. Em menos de um minuto irrompeu-se um tumulto. As crianças corriam para cima e para baixo no corredor, gritando, berrando e brigando entre si no chão. O pai deles não fez nenhuma tentativa de intervenção.
Os passageiros mais idosos, irritados, mudavam de lugar. O stress se transformou em angústia. Certamente o pai faria algo para restabelecer a ordem: uma gentil palavra de correção, uma ordem severa, alguma expressão de autoridade paterna—qualquer coisa. Nada disso aconteceu. A frustração aumentava.

Depois de uma pausa apropriada e generosamente longa, Covey se virou para o pai e disse gentilmente:
- Senhor, seria possível restabelecer a ordem aqui dizendo a seus filhos que voltem e se sentem.
- Eu sei que deveria fazer alguma coisa —, respondeu o homem. — Nós acabamos de sair do hospital. A mãe deles morreu há uma hora. Simplesmente não sei o que fazer.
[1]

A compaixão sincera que provoca o perdão amadurece quando descobrimos onde nosso inimigo chora.»

Brennan Manning, em "O Impostor que vive em mim"
[1] Stephen Covey, The seven habits of highly effective people, seminário gravado em cassette. Provo, ut.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A Corrente do Teu Amor


Permite que de mim reste apenas aquele pouco,
pelo qual eu possa chamar-Te o meu tudo.
Permite que da minha vontade reste apenas aquele pouco,
pelo qual eu possa sentir-Te em todo o lugar,
chegar a Ti em cada coisa,
e em cada momento oferecer-Te o meu amor.

Permite que de mim reste apenas aquele pouco,
pelo qual eu jamais possa Te esconder.

Permite que das minhas correntes reste apenas aquele pouco,
pelo qual eu fique ligado à Tua vontade,
aquele pouco pelo qual
o Teu projecto se realiza na minha vida:
a corrente do Teu amor.

(Rabindranath Tagore)