sábado, 7 de julho de 2007

Desabituar-se


Desabitua-te!
Desta janela em que escrevo, vejo os comboios a passar lá em baixo, não muito longe de mim. Mas daqui quase não os escuto. No entanto, há casas que estão mesmo coladas à linha férrea. Antes, admirava-me como conseguiriam essas pessoas dormir. Agora já não. Porque falei com algumas e revelaram-me o segredo: “nos primeiros dias ninguém pára, mas depois a gente habitua-se, já nem se dá conta”, disseram-me elas. Eis a maravilhosa capacidade de nos habituarmos.Mas depois, pus-me cá a pensar na nossa vida, e prefiro chamar-lhe assim: eis a perigosa capacidade de nos habituarmos. Porque o barulho dos comboios é como tudo: quando nos conseguimos habituar, deixamos de dar conta. E vejo que nos costumamos habituar a coisas demais. O hábito faz-nos perder a atenção dos acontecimentos, rouba-nos o gozo das novidades, e o sabor irrepetível dos dias; impede-nos de crescer. As pessoas habituam-se a viver juntas, e deixam de prestar atenção umas às outras. Um casal habitua-se ao casamento, e perdem o gozo do namoro. Esquecem a necessidade de se seduzir todos os dias. Habituam-se. E esquecem-se que têm que se pedir um ao outro de novo em casamento, em cada manhã.Deixamos cair até a nossa Fé na rotina do hábito, e tudo se vai tornando estéril. Vamos cumprindo rituais, aos quais chamamos obrigações e deveres. Vamos-nos habituando a cumpri-los, mas sem percebermos verdadeiramente para que servem.Habituamo-nos a ser o que somos, e deixamos de sonhar em ser mais. Habituamo-nos ao ritmo quotidiano, a que chamamos vida, e deixamo-nos engolir por ele. Habituamo-nos às correrias, habituamo-nos às inutilidades sempre tão urgentes, habituamo-nos a andar tristes. Habituamo-nos a encher a boca de queixas e lamentos. E assim, deitamos fora a vontade de mudar e viver de novo cada dia que nos calha em sorte. E depois… depois ainda somos capazes de dizer, com o rosto triste e um encolher de ombros desolado: “É a vida! Temos que nos habituar!”Não, não, amigo! Para ser verdadeiramente Vida, tens é que te desabituar!

Rui Santiago cssr

4 comentários:

sonia farmaceutica disse...

O ser humano tem esta capacidade admirável de adaptação. Habituamo-nos a tudo e deixamos de VER o que nos rodeia. Deixamos de cativar quem nos rodeia, não sentimos o perfume das flores, não ouvimos o canto dos pássaros, não apreciamos a beleza da lezíria e do rio (este é o meu caminho para o trabalho).
Concordo contigo, vamos desabituar-nos para podermos VIVER.

Anónimo disse...

Maravilhosa reflexão. Adorei.

Ana disse...

Gostei imenso do teu post.
Nunca tinha pensado neste assunto, pelo menos desta forma, mas subscrevo.

Anónimo disse...

Gostei muito deste assunto:) É de facto assim...Para reflectir...
"Eu aprendi...
...que algumas vezes tudo o que precisamos é de uma mão para segurar e um coração para nos entender;"
Essa mão tem sido a tua, o coração também é o teu... Obrigada por seres como és...
Ana Maria